Cancro cítrico: 12 processadoras de limão são interditadas, em São Paulo

Ocorrência da doença levou a suspensão de mais de 40 cargas na União Europeia, que ameaça bloquear as importações do Brasil.

Doze packing houses que recebem e processam o limão dos produtores para exportação foram interditados por 60 dias na região de Taquaritinga, Itajobi, Catanduva e Cândido Rodrigues, onde se concentra a maior produção da fruta no Estado de São Paulo. O Estado responde por 80% da colheita nacional. A informação é do presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga, Marco Antonio dos Santos. Segundo ele, as fazendas também estão sendo alvos de visitas dos fiscais da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA) da Secretaria da Agricultura de São Paulo.

“Fomos surpreendidos pelo fechamento dos barracões. E a Secretaria está a campo investigando também os pomares”, disse Santos, ex-produtor de laranja, que há dez anos trocou a cultura pela cana-de-açúcar e por 25 mil pés de limão. O risco é de uma inundação de limão no mercado interno, que já está com excesso de oferta e preço baixo.

Limão (Foto: Getty Images)
Limão (Foto: Getty Images)

A interrupção das atividades por 60 dias é consequência da rejeição recorde de 42 cargas, cerca de 1 mil toneladas, nos portos europeus devido à detecção recorde de frutas com cancro cítrico, doença quarentenária na Europa. O excesso levou as autoridades fitossanitárias da União Europeia a ameaçar suspender todas as importações de limão brasileiro.

A Europa é destino de 80% das exportações do Brasil da fruta, que rendeu em 2021 uma receita de US$ 120 milhões. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), notificado pela agência europeia, recebeu um prazo que vence em duas semanas para se explicar e informar o plano de ação para evitar a exportação de novas cargas com cancro.

Os packing houses ou barracões paulistas recebem a fruta, classificam por cor, tamanho e aparência e embalam as melhores para exportação em caixas de papelão de 27 kg pelas tradings. As caixas vão para o porto seco de Bauru (SP), onde é feita a fiscalização.

“O problema é que, nos barracões, toda a seleção é feita a olho nu. O volume de frutas é muito grande e a seleção é feita por poucas pessoas ou é terceirizada. Os packing houses tinham que investir em máquinas que identificam as manchas e separam as frutas com 90% de acerto, mas em São Paulo há apenas dois equipamentos desses, que são importados e custam cerca de R$ 3 milhões”, diz o presidente do sindicato rural, acrescentando que os produtores estão sendo orientados a reforçar a controle sobre o cancro nas propriedades e não enviar frutas com a doença para os packing houses.

Santos diz ter percebido nos últimos dois anos que poucos produtores da região, a maioria de pequeno porte, têm feito o manejo correto dos pomares para reduzir a incidência do cancro cítrico. Ele acredita que houve um descuido, vinculado à queda de preço da caixa de limão. O foco tem sido o combate ao greening, doença que provoca a erradicação da planta.

“Para reduzir o cancro, transmitido por bactéria, o produtor precisa fazer a pulverização de defensivo à base de cobre uma vez por mês, ter seu próprio material de colheita e caminhões de transporte, pulverizar os veículos que entram na propriedade e manter cercas vivas”, diz, acrescentando que a falta de cuidados é replicada nos packing houses, geralmente pequenos e sem estrutura.

Área aumentou e preço caiu

Segundo o produtor e sindicalista, a área plantada, que é 75% irrigada, subiu demais no Estado nos últimos dois anos e o preço da caixa está muito baixo desde janeiro, na média de R$ 15 reais posta no barracão. Ao mesmo tempo, o custo de produção deu um salto. O pacote de 25 quilos do defensivo à base de cobre subiu de R$ 500 há dois anos para R$ 1.200 atualmente.

“O produtor investiu para ter mais produtividade e muita gente começou a plantar limão devido aos bons preços e ao fato de ser uma cultura que produz rápido. Teve uma usina da região que plantou 100 mil pés.”

Fernanda Geraldine, analista de frutas cítricas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), concorda que está bem complicado o cenário de preços do limão para o produtor. “A oferta está alta demais. No primeiro semestre, geralmente, o preço fica entre R$ 10 e R$ 20, mas no segundo semestre chega a bater em R$ 100 a caixa. Só que isso não ocorreu no ano passado. Agora, estão pagando de R$ 12 a R$ 15. Neste ano, o melhor preço foi em janeiro.”

A analista afirma que isso é realmente reflexo do aumento de 33% na área plantada de 2018 a 2020, segundo dados do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). “Foram vários anos de rentabilidade positiva, o que incentivou muitos investimentos em limão.” Atualmente, São Paulo e parte do Triângulo Mineiro tem área plantada de limão de 51.809 hectares e responde por 80% da safra estimada em 60 milhões de caixas. 

“O cenário só não foi pior porque a exportação, em torno de 10% da produção, está indo bem. Ou estava”, diz Fernanda, ressaltando que a rejeição de cargas e a interdição dos packing houses deve jogar mais fruta no mercado interno e os preços podem demorar muito para subir neste segundo semestre. O grande atrativo da exportação é o preço. Segundo Santos, a caixa rende de R$ 30 a R$ 35 no mercado externo.

Além da União Europeia, o Brasil exporta um volume menor para o Chile (mercado aberto neste ano) e para países da Ásia. Há anos, o país tenta abrir o mercado americano para o limão, mas questões fitossanitárias da laranja, segundo Santos, que foi presidente da Câmara Setorial do Limão, têm impedido esse avanço.         

“Não é só São Paulo”

Alexandre Paloschi, diretor do Departamento de Defesa Sanitária e Inspeção Vegetal da CDA, diz que, diferentemente da informação do Mapa, a rejeição de cargas não ocorreu apenas com limão de São Paulo. Atingiu também cargas da Bahia e de Santa Catarina. “No Estado de SP, foram 12 interceptações de UCs (Unidades de Consolidação, nome técnico dos barracões), concentradas na região de Catanduva.

A CDA recebeu a notificação sobre as cargas rejeitadas em 22 de junho e vai apresentar relatório com suas ações até esta sexta-feira, 8 de julho. Paloschi afirma que, além de interditar os barracões relacionados às cargas, intensificar a fiscalização e fazer reuniões com todos os elos da cadeia e os servidores envolvidos, o órgão vai recadastrar todas unidades produtoras e as de exportação até 1º de agosto. Atualmente, estão cadastradas para exportação 54 unidades e 825 produtores no Estado.

Desde a notificação, 12 contêineres com suspeita de cancro cítrico foram identificados e barrados em São Paulo antes do embarque. Para a fiscalização, a Secretaria estadual da Agricultura tem 159 engenheiros agrônomos, contratou mais 30, e conta com 119 técnicos de apoio.

Segundo o diretor, nas várias reuniões realizadas com o setor para tratar do problema, uma delas realizada em Bauru, um dia após o Mapa ser notificado pela UE, foram alegadas dificuldades de produção do limão, especialmente devido ao cenário de alta dos custos de produção, e foi solicitada a intensificação nas ações de fiscalização.

Questionado se o cancro é atualmente a pior praga do limão, Paloschi diz que, bem manejada, a doença pode ser controlada e não afetar a produção, pois é transmitida por uma bactéria por meio de contato e medidas simples podem evitar sua disseminação. No caso do greening, que também afeta a cultura do limão, a doença é transmitida por um inseto vetor, necessitando de um controle muito mais rigoroso, já que o inseto pode se deslocar de um pomar para o outro de forma descontrolada, o que torna a transmissão dessa doença mais eficiente.

Segundo ele, o cancro pode ser controlado de diversas maneiras, desde a aquisição de mudas sadias, provenientes de viveiros devidamente registrados e cadastrados nos órgãos estaduais de defesa sanitária vegetal, passando pelo uso de quebra-ventos nos pomares, pela desinfecção de maquinário e material de colheita e pelo uso e aplicação de produtos a base de cobre, bactericidas que proporcionam a formação de uma camada protetora que age preventivamente, evitando o surgimento de novas infecções.

“O fruto acometido pela doença não afeta diretamente a qualidade da polpa dos frutos, entretanto, afeta todas as espécies e variedade de citros de importância comercial, podendo prejudicar toda a produtividade de um pomar.”

Fonte: Globo Rural

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